Há quase três décadas, o português Deodato Taborda Vicente, 60 anos, trabalha na Weidmüller, multinacional alemã especializada no desenvolvimento e no fornecimento de produtos, soluções e serviços inovadores para a indústria.
Em 2014, ele recebeu a missão de sair da Europa e se mudar para o Brasil para colocar a operação local de volta nos trilhos. No cargo de diretor-geral, ele melhorou processos, aumentou a produtividade e dobrou o faturamento da filial brasileira.
Em entrevista concedida ao Brasileuro, o português de Lisboa deu dicas para os brasileiros que, assim como ele, querem desenvolver uma carreira internacional ou empreender em outro país, em especial Portugal.
Muitos brasileiros sonham em trabalhar ou empreender na Europa. Que dicas o senhor dá para essas pessoas? Por onde começar?
Eu diria que o primeiro passo é ajustar a expectativa, pois lá não é o Eldorado. Se for para trabalhar em Portugal tem que levar em consideração também que os salários diminuíram nos últimos anos. Depois, a pessoa precisa saber exatamente o que quer e por que está indo para lá. É necessário pesquisar bem o mercado, procurar nichos desenvolvidos e ver quais são as oportunidades.
Vale se aventurar em qualquer lugar da Europa ou é melhor começar por algum país específico?
Não se pode sair do Brasil e querer começar na Alemanha ou na Áustria, porque nesses países é tudo tão diferente, tanto a questão cultural como as formas de se negociar e mesmo de se comunicar. Para desbravar a Europa, o brasileiro tem que começar com Portugal ou Itália, que têm culturas mais parecidas, e depois disso explorar outras regiões.
O senhor trabalha no Brasil desde 2014. Quais as melhores características do brasileiro e como ele pode usar isso para desenvolver uma carreira internacional?
Diria que a melhor característica do brasileiro é a sua criatividade e a sua multidisciplinaridade. O alemão, por exemplo, sabe fazer só uma coisa de cada vez e faz muito bem, mas não peça para ele fazer nada diferente disso. Latinos e brasileiros funcionam de outra forma e sabem fazer de tudo, e essa característica hoje tem muita procura em termos de crise, em especial na Europa.
O europeu não olha para frente, sem olhar para trás. Nossa vida é sempre feita através de retrovisores, pois há o peso da história. Países do novo mundo, como Estados Unidos e Brasil, olham muito mais para frente, pois não têm tanto essa carga. Isso é uma vantagem do brasileiro.
O europeu é muito mais cinzento, não é tão participativo como são os brasileiros. Eu tenho assistido a palestras que são graciosas com oradores daqui que conseguem prender a atenção das pessoas, e isso é outro tipo de vantagem.
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Por que essas características são tão procuradas em Portugal e em outros países da Europa?
Isso porque nos últimos 20 ou 30 anos todos que saíram das universidades europeias aprenderam a gerir sucesso. E quando chegam momentos de crises, como esse que vivemos com a pandemia do novo coronavírus, as pessoas acabam paralisadas, pois elas não sabem gerir outra coisa que não seja sucesso.
Vejo colegas mais jovens que quando chegam crises falam comigo todas as semanas para entender como usar a criatividade para poder ultrapassá-las. No ano de 2020 só a Weidmüller do Brasil e da China cresceram. E isso ocorreu no Brasil essencialmente por estarmos muito habitados a viver em crise. Por isso, conseguimos encontrar fórmulas para superar situações difíceis.
Existem áreas que os brasileiros conseguem vagas mais facilmente?
Para todas as funções que exigem pessoas mais criativas os brasileiros têm muita facilidade e sucesso em Portugal e na Europa, como publicidade, áreas que envolvem personal stylist, coaching, tecnologia da informação e até marketing político. Os poucos políticos que têm marketeiros em Portugal vêm contratar aqui no Brasil porque é um tipo de profissão que não existe lá.
Outra área que está pouco desenvolvida em termos de profissionais é psicologia. Aqui é normal ir a esse tipo de profissional, mas lá não é. Além disso, o número de profissionais em Portugal é pequeno e só as classes média e alta que vão ter esse tipo de apoio, que é normal aqui. Mas penso que hoje, nesse tipo de sociedade que vivemos, as pessoas precisam mais de psicólogos. Eu diria que a Europa inteira precisa.
Tem algum exemplo prático de encontro de oportunidade?
Li esses dias no jornal uma história curiosa de uma mulher que foi viver em Portugal e queria fazer uma festa de aniversário para o filho com toda pompa, como costuma ocorrer aqui. O problema é que não havia ninguém lá para fazer, pois isso não é costume. Eu mesmo fiz os aniversários do meu filho em casa, sem nada especial. Então ela viu que não existia nada parecido lá e então decidiu abrir uma empresa para fazer festas com outro nível para crianças. Deu certo e não faltou mais trabalho para ela.
Quando estrangeiros chegam a outros países, geralmente há disputa por mercado. Como lidar com esse tipo de embate?
Alguns anos atrás os brasileiros foram revolucionar o mercado de dentistas em Portugal. Na época, havia poucos profissionais por lá, e os brasileiros foram para democratizar os mercados e tornar as consultas mais acessíveis. Teve briga entre classes de dentistas portugueses e brasileiros, mas as coisas se resolveram e hoje está tudo consolidado e talvez a maioria dos dentistas em Portugal seja brasileiro.
Hoje, não sei se há tanto problema, porque o brasileiro normalmente vai para áreas que demandam mais alegria, criatividade, sorriso no rosto e coisas que o português não tem. A criatividade do brasileiro é única e pode ser muita explorada em uma Europa cinzenta, onde as pessoas são mais distantes uma das outras.
Como lidar com o preconceito ao chegar em outro países? Sempre vemos na TV casos de portugueses que tratam mal os brasileiros.
Sinceramente eu acho que a imprensa acaba por potencializar essa questão de preconceito, mas não acho que seja uma regra. Porque aquilo que vejo é o brasileiro sendo bem recebido por lá.
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